domingo, 5 de junho de 2016

Xingu, a entropia da floresta

                                                                          No meio de uma enorme nuvem de poeira vermelha chegavam os colonos [...];
Os flagelados se acumulavam em cima da carga geral como podiam [...];
Gente branca, loura, olhos de gato, gazos. Descendentes de italianos, alemães, polacos outros que tais, experimentados no trato com a terra. Outra cultura. Um choque de civilização, produção, e produtividade àquelas gentes ignorantes e indolentes.
André Nunes, em: Xingu – causos e crônicas.

Dois velhos amigos rabiscaram suas espirais do tempo e me acharam em sua memórias. Foi quando pousei em Altamira - a trabalho. Levei o caderninho para anotar coisinhas seráficas sobre Xingu, o rio.
A partida de Belém foi cedo, logo que o sol lampejou, dando sensação vistosa na alma e brilho na lâmina fosca de meu bisturi. Na via aérea relembrei da geografia amazônica que aprendi lá no interior do Acre. Irinéia, a professora, me frisava que Altamira era o maior município do mundo. Hoje já retiraram o título, mas na minha variância continuará sendo a xerife das terras. Depois Altamira voltou para mim como símbolo do progresso na Amazônia através de Bye Bye Brasil.              
De cima, fitando o rio, vê-se um desenho magnetizante que misgalha nossa massa cinzenta.  A gente fica gito-gito diante daquela nobreza e imensidão - eu do tamanho de uma pulga. Ao plainar vamo-nos achegando, tentando brechar pela janela a Grande Volta do Xingu e seus 11.000MW de potência, a Belo Monte das discórdias.
De uns tempos pra cá Altamira voltou a virar mira do mundo. A transamazônica a colocou no roteiro das estradas e Belo Monte na trilha do Xingu. Mas os donos da terra são outros e, enquanto o acórdão não chega, essa beligerância tem rendido violência e violações, que passarão de raspão por estas mal traçadas linhas. Sem tutano para discutir digressões, vim apenas para cochichar com as margens do Xingu.
Na lide, pelos corredores do Hospital regional, um dos 10 melhores SUS, deparo-me com a triste notícia que entre as principais inquietações e desafios da saúde é a violência rural e as virulentas viroses entre indiozinhos. Dá dó ver um Assurini acamado e amuado. Há os que chegam a ser entubados e permanecem em prótese ventilatória como ultimo recurso antes de partir. A maioria se salva, mesmo assim desconforta a gente ver aquele tubo goela abaixo. Desconfia-se que o H1N1 esteja visitando algumas tribos e, desproteinizados e imunidade comprometida, as crianças são alvos frágeis e de prognóstico sombrio a lembrar os relatos dos irmãos Villas-boas.
Outra intempérie da região é a sangraria que escorre pelos ralos da cidade. O crescimento desalinhado da região combinou com a transamazônica mal engendrada, que trouxe, off-road, bala e cartucheira contra as flechas dos Xipayas. Os rasgos andam cada vez mais complexos. Lá os cirurgiões recuperam intestino, fígado, pulmões e traquéias na mesma batida que as viroses acometem ararinhas. Cirurgiões passam a noite tesos e os pediatras não desgrudam o olho dos pequenos.
Essa mortandade por infecção dos brancos não vem de hoje. Tempos passado, séculos XVIII, segundo o escritor Marcio Souza em seu recente Amazônia indígena, 40 mil índios foram dizimados numa epidemia de varíola  no entorno de Manaus, vetoriada por soldados portugueses. Equivale a quase metade de população de Altamira, que neste surto já enfileirou nove curumins.
Em A batalha do riozinho do Anfrisio, André Nunes relata matança de índios com requintes de crueldade, no ramais do Xingu. Até tempo desses, isso era mais comum que carbonizar Pataxó em parada de ônibus.
Se Cacá Diegues quisesse rodar novo Bye Bye Brasil em Altamira teria que reinventar roteiro e paisagem ou ir a Hollywood  montar outra caravana Rolidei, pois, por aqui, o Xingu está ornamentado com outra parafernália... e custa ver canoa embicada e mulheres destripando peixes. O que mais se vê é a terra rebocada.

Xingu, a entropia da Floresta

                     No meio de uma enorme nuvem de poeira vermelha chegavam os colonos [...];
Os flagelados se acumulavam em cima da carga geral como podiam [...];
Gente branca, loura, olhos de gato, gazos. Descendentes de italianos, alemães, polacos outros que tais, experimentados no trato com a terra. Outra cultura. Um choque de civilização, produção, e produtividade àquelas gentes ignorantes e indolentes.
André Nunes, em: Xingu – causos e crônicas.

Dois velhos amigos rabiscaram suas espirais do tempo e me acharam. Foi quando pousei em Altamira - a trabalho. Levei meu bisturi e o caderninho de anotações para exprimir coisinhas seráficas sobre o rio Xingu.
A partida de Belém foi cedo, logo que o sol lampejou, dando sensação vistosa na alma e brilho na lâmina fosca. Na chegada relembrei da geografia amazônica que aprendi lá no interior do Acre. Irinéia, a professora, me frisava que Altamira era o maior município do mundo. Hoje já retiraram o título, mas na minha variância continuará sendo a xerife das terras. Depois Altamira voltou para mim como símbolo do progresso na Amazônia, na película Bye Bye Brasil.              
De cima, fitando o rio, vê-se um desenho magnetizante que misgalha nossa massa cinzenta.  A gente fica gito-gito diante daquela nobreza e imensidão, e eu do tamanho de uma pulga. Ao plainar vamo-nos achegando, tentando brechar pela janela a Grande Volta do Xingu e seus 11.000MW de potência, a Belo Monte das discussões.
De uns tempos pra cá Altamira voltou a virar mira do mundo. A transamazônica a colocou no roteiro das estradas e Belo Monte na trilha do Xingu. Mas os donos da terra são outros e, enquanto o acórdão não chega, essa beligerância tem rendido violência e violações, que passarão de raspão por estas mal traçadas linhas. Sem tutano para discutir digressões, vim apenas para cochichar com as águas do Xingu, um dos belos ornamentos dessa Amazônia desvairada.
Pelos corredores do Hospital regional, um dos 10 melhores SUS, deparo-me com a triste notícia que entre as principais inquietações e desafios da saúde é a violência rural e as virulentas viroses entre indiozinhos. Dá dó ver um Assurinin acamado e amuado. Há os que chegam a ser entubados e permanecem em prótese ventilatória como ultimo recurso, antes de partir. A maioria se salva, mesmo assim desconforta a gente ver aquele tubo na goela. Desconfia-se que o H1N1 esteja visitando algumas tribos e, desproteinizados e imunologicamente comprometidos, as crianças são alvos frágeis e de prognóstico sombrio, a lembrar os relatos dos irmãos Villas-boas.
Outra intempérie da região é a sangraria que escorre pelos ralos da cidade. O crescimento desalinhado da região combinou com a transamazônica mal engendrada, que trouxe, off-road, bala e cartucheira. Os ferimentos andam cada vez mais complexos. Lá os cirurgiões recuperam intestino, fígado, pulmões e traquéias na mesma batida que as viroses acometem ararinhas. Cirurgiões não passam a noite de pé e os pediatras não desgrudam o olho.
Essa mortandade por infecção dos brancos não vem de hoje. Tempos passado, séculos XVIII, segundo o escritor Marcio Souza em seu recente Amazônia indígena, 40 mil índios foram dizimados por uma epidemia de varíola trazida por soldados portugueses. Hoje equivale a quase metade de população de Altamira que, neste surto, já enfileirou nove curumins.
Em A batalha do riozinho do Anfrisio, André Nunes relata matança de índios a céu aberto com requintes de crueldade. Até uns tempos desses, isso era mais comum que queimar Pataxó em parada de ônibus.
Se Cacá Diegues quisesse rodar novo Bye Bye Brasil em Altamira teria que reinventar a paisagem local ou ir pra Hollywood e montar outra caravana Rolidei, pois, por aqui, o Xingu está ornamentado com outra parafernália... e custa ver canoa embicada e mulheres destripando peixes.