No meio de uma enorme nuvem de
poeira vermelha chegavam os colonos [...];
Os flagelados se acumulavam em
cima da carga geral como podiam [...];
Gente branca, loura, olhos de
gato, gazos. Descendentes de italianos, alemães, polacos outros que tais,
experimentados no trato com a terra. Outra cultura. Um choque de civilização,
produção, e produtividade àquelas gentes ignorantes e indolentes.
André
Nunes, em: Xingu – causos e crônicas.
Dois velhos amigos rabiscaram suas espirais do
tempo e me acharam. Foi quando pousei em Altamira - a trabalho. Levei meu
bisturi e o caderninho de anotações para exprimir coisinhas seráficas sobre o rio Xingu.
A partida de Belém foi cedo, logo que o sol lampejou, dando sensação vistosa na alma e brilho na lâmina fosca. Na chegada relembrei da
geografia amazônica que aprendi lá no interior do Acre. Irinéia, a professora,
me frisava que Altamira era o maior município do mundo. Hoje já retiraram o
título, mas na minha variância continuará sendo a xerife das terras. Depois
Altamira voltou para mim como símbolo do progresso na Amazônia, na película Bye Bye Brasil.
De cima, fitando o rio, vê-se um desenho magnetizante
que misgalha nossa massa cinzenta. A
gente fica gito-gito diante daquela nobreza e imensidão, e eu do tamanho de uma
pulga. Ao plainar vamo-nos achegando, tentando brechar pela janela a Grande
Volta do Xingu e seus 11.000MW de potência, a Belo Monte das discussões.
De uns tempos pra cá Altamira voltou a virar mira
do mundo. A transamazônica a colocou no roteiro das estradas e Belo Monte na
trilha do Xingu. Mas os donos da terra
são outros e, enquanto o acórdão não chega, essa beligerância tem rendido
violência e violações, que passarão de raspão por estas mal traçadas linhas. Sem tutano para discutir digressões, vim apenas para cochichar com as águas do Xingu, um dos belos ornamentos dessa Amazônia desvairada.
Pelos corredores do Hospital regional, um dos 10
melhores SUS, deparo-me com a triste notícia que entre as principais
inquietações e desafios da saúde é a violência rural e as virulentas
viroses entre indiozinhos. Dá dó ver um Assurinin acamado e amuado. Há os que chegam
a ser entubados e permanecem em prótese ventilatória como ultimo recurso,
antes de partir. A maioria se salva, mesmo assim desconforta a gente ver aquele tubo na goela.
Desconfia-se que o H1N1 esteja visitando algumas tribos e, desproteinizados e
imunologicamente comprometidos, as crianças são alvos frágeis e de prognóstico
sombrio, a lembrar os relatos dos irmãos Villas-boas.
Outra intempérie da região é a sangraria que
escorre pelos ralos da cidade. O crescimento desalinhado da região combinou com a
transamazônica mal engendrada, que trouxe, off-road,
bala e cartucheira. Os ferimentos andam cada vez mais complexos. Lá os
cirurgiões recuperam intestino, fígado, pulmões e traquéias na mesma batida que
as viroses acometem ararinhas. Cirurgiões não passam a noite de pé e os pediatras
não desgrudam o olho.
Essa mortandade por infecção dos brancos não vem de hoje. Tempos
passado, séculos XVIII, segundo o escritor Marcio Souza em seu recente Amazônia indígena, 40 mil índios foram
dizimados por uma epidemia de varíola trazida por soldados portugueses. Hoje equivale
a quase metade de população de Altamira que, neste surto, já enfileirou nove curumins.
Em A batalha
do riozinho do Anfrisio, André Nunes relata matança de índios a céu aberto
com requintes de crueldade. Até uns tempos desses, isso era mais comum que queimar
Pataxó em parada de ônibus.
Se Cacá Diegues quisesse rodar novo Bye Bye Brasil em Altamira teria que reinventar a
paisagem local ou ir pra Hollywood e montar outra caravana Rolidei, pois, por
aqui, o Xingu está ornamentado com outra parafernália... e custa ver canoa embicada e mulheres destripando peixes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário